Com Freddy Balzan, Cônsul Geral da Venezuela no Brasil «Chávez sofre oposição golpista por enfrentar interesses da elite» http://www.lainsignia.org/2002/octubre/ibe_173.htm 24 de outubro de 2002 Rodrigo Valente - Correio da Cidadania. Brasil, outubro del 2002.
Em entrevista ao Correio, o Cônsul Geral da Venezuela no Brasil Freddy Balzan explicita a situação de polarização política que vive seu país. Desde que Hugo Chávez foi eleito em 1998, a nação venezuelana está dividida entre o projeto popular e o projeto das elites. Veja abaixo.
Correio da Cidadania: Qual sua visão sobre o atual momento político na Venezuela? O que está em disputa no país?
Freddy Balzan: O principal problema da Venezuela é que estamos enfrentando uma conspiração, uma guerra brutal para impedir as mudanças que o país tanto necessita. A Venezuela adotou o regime democrático a partir de 1958, quando foi revogada uma ditadura. Desde então, alternaram-se no poder dois partidos: AD (Ação Democrática) e Copei (Democratas Cristãos). Ao longo de 40 anos, por culpa do mando político desses dois partidos, a corrupção cresceu tanto que o país, com uma produção de petróleo de 30 bilhões de dólares ao ano, tem 80% de seus 23 milhões de habitantes pobres. Nosso país tem 1 milhão de Km2, e, ao mesmo tempo, 90% dos alimentos consumidos importados. As grandes cidades viraram cinturões de miséria. Os hospitais não funcionavam, as escolas já não cumpriam seu papel...
Então, em 1998, Hugo Chávez venceu as eleições presidenciais. Chávez foi eleito porque prometeu lutar contra a corrupção, a miséria e toda a imoralidade que havia sido cometida no país. Hoje, o presidente Chávez está sofrendo uma conspiração por estar cumprindo exatamente o que prometeu ao povo durante a campanha.
CC: Como está o país depois das marchas pró e contra Chávez?
FB: Quero alertar o povo brasileiro e o mundo que a oposição na Venezuela está preparando para o dia 21 de outubro uma greve ilegal, sem nenhuma justificativa, e ao mesmo tempo um estado de violência e caos generalizado no país, para provocar na Venezuela uma situação de guerra civil. Nós não vamos cair nas provocações, e temos poder suficiente no povo e nas Forças Armadas para controlar essa reação. Queremos denunciar ao mundo esta grave situação provocada por setores antidemocráticos, que se negam a aceitar a necessidade de mudança, para garantir um melhor funcionamento do país.
CC: Ou seja, as greves gerais programadas são meros álibis utilizados pela oposição.
FB: Essa greve é injustificável. Faz-se greve quando empresas não cumprem os direitos dos trabalhadores, quando se negam a dialogar com os sindicatos. Nesse caso, quem pede a greve são os patrões, não os trabalhadores. São os empresários que pedem a interrupção do governo de Chávez. O presidente mostrou que não tem medo da atual onda golpista. Nesse momento, está passando pela França, Itália, Noruega e pela conferência da ONU sobre alimentação na Grã-Bretanha. Se Chávez não estivesse seguro da força popular que o respalda não sairia da Venezuela. Atreveu-se a fazê-lo justamente para mostrar que essa campanha da oposição se centra no medo. O presidente acaba de firmar uma declaração que o legitima, assinada pela ONU, a OEA e o Centro Carter. Uma demonstração da existência da democracia no país. Então, por que os partidos de oposição querem romper com a paz e a democracia na Venezuela? Chávez tem uma oposição que trabalha ao lado dos grandes interesses econômicos. Nós não queremos sangue, nós não queremos guerra, nós queremos desenvolvimento, queremos emprego, queremos segurança, enfim, que a democracia resolva os problemas do país.
CC: Quais medidas estão sendo tomadas pelo governo que mais contrariam interesses da oposição?
FB: Por que querem derrubar Chávez? Primeiro, porque dizem que a sua lei de terras é comunista. A lei estabelece apenas que você prove que realmente é dono das terras. Deste modo, os grandes latifundiários iniciaram imediatamente uma campanha de desprestígio do governo, dizendo que essa medida era comunista. Segundo, a lei de pesca, que contraria alguns interesses da empresa transnacional. Isso provocou imediatamente uma reação dessas empresas, que iniciaram uma campanha brutal de desmoralização do presidente. É só uma lei que protege os pescadores, e, ao mesmo tempo, o ecossistema, de acordo com a lei internacional. Em terceiro lugar, a questão do petróleo. Antes, as empresas petrolíferas tinham que pagar 16 centavos de dólar por cada barril tirado em solo venezuelano. No entanto, o barril custava, no passado, até cinco dólares. Hoje, o barril está custando até 40 dólares, e, com isso, Chávez aumentou a taxa para 30 centavos de dólar por barril. Imediatamente as transnacionais petroleiras moveram todo seu poder, através dos meios de comunicação, para declarar uma guerra midiática contra Chávez.
CC: Apesar de o presidente Hugo Chávez ter sido legitimado 4 vezes no cargo, a oposição continua o acusando de antidemocrático. O que realmente está por trás dessas acusações seriam, assim, os seus interesses contrariados?
FB: O que se quer com essa acusação falsa é provocar a intervenção estrangeira em nosso país. Há uma manipulação internacional para dizer que na Venezuela não há democracia. Isso mostra que há setores na oposição venezuelana que são golpistas, que estão conspirando, que obedecem interesses estrangeiros. O que eles querem é que tudo continue igual, que o presidente eleito saia do poder, que se privatizem as principais empresas nacionais. Contudo, isso não irá acontecer em Venezuela. Nós e também nosso presidente Hugo Chávez consideramos o neoliberalismo contrário aos interesses do povo.
CC: Qual sua visão sobre a cobertura do momento político na Venezuela pelos meios de comunicação?
FB: Em toda a América Latina, não há uma Constituição que garanta liberdade de informação, liberdade de expressão, liberdade de opinião, como a constituição bolivariana. Lamentavelmente, na Venezuela, os proprietários dos meios de comunicação mais importantes, contrariamente ao que estabelece a própria Constituição nacional, estão fazendo uma guerra midiática. Uma guerra contra o país, que só visa confundir a população. Aqui no Brasil, em qualquer jornal, há ataques contra o governo e também informações a favor do governo, o que informa minimamente o que está acontecendo. Na Venezuela, por exemplo, quase ninguém sabe o que significa ALCA. Na semana passada, Chávez fez uma manifestação gigantesca, com o dobro de pessoas da marcha de oposição, e os meios de comunicação mal informaram. O mesmo aconteceu em 3 de abril, quando ocultaram do país que o povo e as Forças Armadas tinham restabelecido o presidente Chávez no poder. A mídia na Venezuela, os principais jornais, os canais de televisão estão a mando de empresários identificados com o setor golpista. Diariamente, saem informações estimulando a violência sindical, as greves, as manifestações, as passeatas.
CC: Existe alguma relação entre a crise política da última semana na Venezuela e as eleições no Brasil?
FB: É inevitável que Lula desperte na América Latina um grande interesse, pela sua proposta de mudança e por seu programa. Na Venezuela, há muita simpatia por Lula, e não só por parte do governo, mas também por outros partidos e por personalidades independentes, porque estão todos cansados dos que estão no centro do poder.
CC: Como o senhor vê o desfecho dessa disputa política na Venezuela?
FB: Majoritariamente, o povo da Venezuela quer paz, quer tranqüilidade, quer que deixem o presidente Chávez trabalhar. Nesse sentido, vai se impor a vontade da maioria do povo. A oposição não tem um líder como Hugo Chávez e estão profundamente divididos. A derrubada de Chávez faria o país caminhar para o precipício, como quase aconteceu no golpe de 12 de abril. Nunca, em 4 anos de governo Chávez, houve presos políticos. Nas primeiras 24 horas de governo golpista, fizeram 820 presos políticos. Fecharam a Assembléia Nacional, fecharam o judiciário, fecharam todas as instituições democráticas.
Há um setor majoritário da população que quer Chávez, e um setor minoritário, mas importante, que não quer Chávez. Há também um setor que ainda não se manifestou. Portanto, o desfecho virá do referendo de agosto de 2003, que vai decidir manter ou não Chávez na presidência.
bbb
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